Aventura Gastronômica

Freud conhece a bela Helena, chef de um restaurante italiano, e se encanta com sua comida e com sua beleza. A admiração os leva a um encontro que culmina em um intenso jogo de poder.

Aventura Gastronômica
Photo by Jay Wennington on Unsplash

Eu tenho uma relação de extremos com Belo Horizonte. A cidade me fascina com a cultura mineira, com a gastronomia dos bares e mercados e com o acolhimento do povo. E me frustra profundamente com as ladeiras intermináveis, o aeroporto distante de tudo e o trânsito intenso.

Um projeto importante no trabalho transforma a capital mineira fosse o meu escritório por pelo menos três meses. A tradição dos mineiros, de acolher, não é suficiente para superar as frustrações que meu papel causa. Minha missão é cortar despesas, demitir pessoas.

Calejado com outras experiências similares, restrinjo o meu contato com a equipe aos assuntos do projeto. Recuso os convites para os tradicionais happy hours nos botecos da Savassi. Prefiro almoçar sozinho. Esse isolamento me ajuda a tomar decisões com menos envolvimento emocional. Não é bonito, mas é necessário.

Essa é uma semana crítica para o projeto. Ontem, segunda-feira, a primeira onda de demissões foi anunciada. Por onde ando no escritório, ouço cochichos e vejo olhares desconfiados. Uma tele conferência com a equipe de São Paulo me faz perder o horário do almoço.

Já são passa das duas da tarde quando eu deixo o escritório à procura de um restaurante. Preciso organizar os pensamentos e relaxar um pouco. Meu próximo compromisso é só às cinco da tarde. Quero e mereço uma taça de vinho. Caminho um pouco mais do que o normal e chego a um cruzamento com um boteco em cada esquina. Olho ao redor e vejo um pequeno restaurante italiano.

O local está praticamente vazio. O salão não é grande. Ao fundo, um bar com um balcão. Do outro lado do bar, uma grande janela de vidro dá vista para a cozinha. A garçonete me recebe.

-Mesa para quantas pessoas?

-Uma. Estou sozinho.

-Claro. Me acompanhe.

Ela me instala em uma mesa próxima do bar e da cozinha. Me entrega o cardápio executivo. Escolho o espaguete à carbonara. Peço uma taça de vinho da casa.

-Ótima escolha. Já trago seu vinho e uma água para acompanhar. Com gás ou sem gás?

-Sem gás, por favor.

A simpatia dela me acalma. O restaurante é muito bem decorado. Itens que remetem à Itália estão por toda parte, misturados com objetos da tradição mineira. Essas duas culturas, aliás, são muito parecidas, mas isso é assunto para outro momento.

O vinho é ótimo. O prato, melhor ainda. Como sem pressa. Aproveito o momento para relaxar e pensar nos próximos passos do projeto. A garçonete volta e retira meu prato.

-Mais uma taça de vinho?

Fico tentado.

-Melhor não. Tenho uma reunião logo mais.

-Então um café?

-Sim, aceito o café.

Além do café, ela trás um pedaço de doce de leite em barra. Que delícia. Enquanto saboreio aquele momento quase mágico no meio de um dia estressante, eu a vejo pela primeira vez. A chef do restaurante.

Magra, morena, alta, esguia. Ela vem da cozinha, caminhando apressada. Passa pela porta que divide os ambientes e retira a touca. Cabelos curtos. Vai ao bar. Dá ordens. Fala rápido, firme. Rapidamente volta para a cozinha. E a visão dela indo é ainda melhor - que bunda!

Ao pagar a conta, tento obter mais informações com a garçonete.

-Adorei a comida, o vinho, o café e o doce de leite. Leve meus cumprimento ao chef.

-É a chef, Helena. Vou levar. Além de chef, ela é a dona.

Os mineiros têm esse jeito de contar além do que perguntamos. Parece que todos fazem parte da família. Aproveito.

-Ela e o marido tocam o restaurante, então?!

-Ela não tem marido. É só ela que comanda tudo por aqui.

-Vocês funcionam no jantar?

-Sim, mas precisa de reserva. São poucas mesas e o movimento está intenso.

-Pode fazer uma reserva para amanhã?

-Claro, só um minuto.

A garçonete anota minhas informações. Volto caminhando em paz para o escritório. Pena que isso não vai durar muito tempo.